São múltiplas as situações quotidianas em que praticamos a cortesia de segurar uma porta aberta para esperar que os outros cheguem e por ela passem, em vez de a deixarmos fechar atrás de nós e ir em frente, sem olhar para quem venha atrás. E muitas vezes damos a primazia aos outros, ao chegar a uma entrada, abrindo-lhes a porta para que entrem primeiro do que nós. Oferecemos e recebemos vezes sem conta este pequeno gesto de cortesia, sorrimos e sentimo-nos bem com isso.
Porque não o fazemos então nas demais situações da vida? Porque fazemos tantas vezes da vida um galgar ansioso por cima de tudo e de todos, só para chegarmos primeiro a todo o lado, em busca do que nem sequer sabemos bem o que é? E porque fechamos por vezes a sete chaves atrás de nós as portas pelas quais acabamos de passar, só para que mais ninguém por elas entre, sem perceber que muitas vezes ao fazê-lo estamos a converter o cobiçado espaço em que entrámos na mais solitária das prisões, de onde não ousamos sair só com medo de que alguém mais possa entrar pela porta entreaberta? Porque temos tanto medo de abrir e ceder passagem? Porque não abrimos de par em par as portas dos espaços bons, gratificantes e saudáveis que a vida nos abre e oferece, para que cada vez mais sejam os que por elas entrem? Porque não oferecemos gratuitamente o que gratuitamente nos é oferecido, pois no fundo tudo o que é essencial, como a capacidade de sermos generosos, a capacidade de dar, nos é gratuitamente oferecido?
E isto não apenas na relação entre indivíduos, mas também entre grupos, povos, nações e espécies. Porque permanecemos ainda tão reféns dos instintos gregários de autoprotecção tribal, ampliada apenas a tribo à religião, à nação, ao partido, à empresa, ao clube ou à espécie? Porque competimos em vez de cooperar? Porque não abrimos portas ou não as mantemos abertas aos outros, aos que precipitada e medrosamente chamamos “outros” – só por terem uma crença, uma língua, uma cor, um emblema, um objectivo ou uma forma diferente – para os mantermos afastados de nós mesmos ou os excluirmos daquilo de que na verdade jamais os podemos excluir: o estarem sentados connosco à mesa comum do planeta e da vida? Porque restringimos a nossa irrecusável condição comunitária de viventes no mesmo planeta à de sociedades maiores ou menores em competição mútua?
Estas perguntas já foram colocadas e respondidas inúmeras vezes. Fazemo-lo porque temos medo do outro que surge como o diferente que ameaça o nosso sentimento de identidade e pertença a um grupo, bem como a nossa prossecução dos desejos e interesses desse grupo, por exclusão de outras identidades, pertenças, desejos e interesses. Fazemo-lo porque não vemos que o outro é inseparável de nós e que as diferentes identidades, pertenças, desejos e interesses pouco ou nada representam perante a realidade dos vínculos e das necessidades comuns. Fazemo-lo porque estamos habituados a fazê-lo e os pais, as famílias, a escola e a sociedade não nos educam noutro sentido, o da cooperação e da ajuda mútua. O resultado está à vista: é o mundo crítico e conflituoso em que vivemos, com um desnível crescente entre pobres e ricos, opulência e miséria, Norte e Sul, humanos colonizadores e animais colonizados, no comum cenário de um planeta na iminência de não suportar mais ser tão devastado como matéria-prima e reserva energética desta luta de todos contra todos.
Deixemo-nos de perguntas e respostas, já conhecidas. Passemos à prática de alternativas. Experimentemos abrir mais. Abrir mais portas para o que é bom para todos, abri-las mais e mantê-las bem abertas, para que cada vez mais por elas passem. Sejamos porteiros. Sejamos portas. Abramos mais espaço e sejamos espaço. Um espaço luminoso e caloroso onde todos igualmente caibam, sem lugares de primeira nem de segunda, e ninguém, humano ou animal, seja excluído da Festa da Vida.